20 de dezembro de 2009

"Dá bá à xará, Chica!"

São 20.30 de domingo.
Está um calor abrasador, típico das recordações de qualquer retornado.
O ceú, esse está negro, carregado de nuvens assustadoramente grandes e que voam pelo céu que nem doidas.
Vejo uma réstia da pouca lua que existe a crescer, tapada de nuvens mas que parece iluminada por um holofote.
Lá, bem ao fundo, é a claridade total. Trovoada, relâmpagos como eu nunca tinha visto na vida. Daqueles que iluminam tudo e todos. Que nos fazem pensar duas vezes se teremos um amanhã.
Já conheço este filme de outras noites. Este calor e humidade estonteantes, este céu iluminado de branco quando está noite....é sinónimo de chuva da grossa durante a noite. Amanhã de manhã, teremos maningue matope por todo o lado e o pessoal feliz porque caiu água para regar as machambas. E o calor estará lá na mesma para nos recordar que isto é África.
Tenho muita mas mesmo muita pena de todas vós aí no frio. Disseram-me esta tarde que há zonas em Portugal com -13 graus..Chipa!!! Bota frio nisso! Estamos oficialmente com mais de 40 graus de diferença. Vinde para cá minha gente, é o que vos digo.
Esta tarde chegou a ultima equipa do inquérito CAP, de volta após uma semana láaaaaaaaaaaa, em Nhanguenha, onde não há luz nem água canalizada. WC então, nem se fala..
Foi o fim oficial desta etapa do CAP. Não significa que entrei de férias mas sim que......I´M FREE!!!!De gente complicada e frustações diárias. E já já, daqui a nada, estarei de férias :)
Curiosamente, o que me alegrou hoje não foi ter chegado ao fim daquela ingloriosa tarefa do CAP... mas sim os 10 minutos ao final da tarde, que passei com a minha dona L.
Passo a contar: é Natal. Quis, tal como no ano passado, oferecer-lhe algo que o marido não bebesse ou as filhas não vestissem. Algo tipo comida para 1 mês, que foi a prenda do ano passado. Mas não quis repetir a graça e vai daí encomendei um cabrito aos colegas que tinham ido láaaa, para Nanguenha, onde uma cabra de 6 ou 7 meses me custou a módica quantia de 500 meticais...(qq coisa como um pouco mais de 10 euros). O que se segue é a parte da nossa conversa, mantida na berma da estrada, onde a chamei com a desculpa de querer pagar o salário, na presença do V. e da Chica, a neta mais nova de dona L. filha duma filha com menos de 20 anos e que já tem outra filha, as duas crianças sabe-se lá vindas de que pais (e motivo pelo qual eu me transformei na fornecedora mensal de preservativos para aquela familia..):
"Minha L., trouxe também um presente de Natal para si. Está lá atrás na caixa do carro"
O V. abriu a lona e já a guinchar, uma cabra malhada, maningue selvagem a querer saltar.
"Ah! Oh! Minha nossa! Não pode ser!Meu deus!"
Beijos e abraços ao V. e a mim.
" Dona L., mas esta não é para comer agora na quadra. É para criar, que ainda é pequena. E é fêmea, quando chegar à altura certa, tratamos de arranjar macho e assim pode ter a sua criação de cabritos, tá bem?"
" Oh, sim!! Com certeza, esta há-de dar parto a maningue cabritos! Vê-se que é boa!"
Troca de olhares entre mim e o V. , desconfiados se a cabra há-de sobreviver até ao final deste mês..
"Sim dona L. mas temos que ter certeza que a trata bem, tem que dar água e por a pastar. E tem que amarrar bem de noite para não roubarem como fizeram com cabritos que tinha antes"
" Sim dotozinha, hei-de deixar na minha mãe. Lá tem curral e ela fica segura"
Nisto, a cabra dava pinotes que nem uma montanhesa enquanto a dona.L a tentava controlar, sob o olhar atento da Chica, a neta de 2 anos, que sentiu tamanho curiosidade pela cabra, que ia levando com ela em cima.
"Dona L., leve essa corda. Vamos desamarrar as patas de trás e pode puxar a corda, para a levar até casa"
"Oh! A dotozinha é mesmo minha mãe. Como fazer para agradecer?!"
"Nada dona L. Só não a coma já porque queremos que dê cabritos que vocês podem comer mais tarde. Olha como a Chica gostou dela! Parece que tem mais uma amiga para brincar"
" Pronto minha mãe. Vou então, dar água ao animal que tá com cara de sede. Shiii, e viajou maningue hoje! Coitada"
"Tá bom dona L. Resto de boas férias e bom natal"
" Chiiiiica! Dá bá à xará e diz obrigado"
"Bigada xará. Chica dá bá"
Eu baixei-me e recebi o beijo mais repenicado desta criança fofa, fofa, que nunca tocou noutro branco que não fosse eu. E pessoal..acreditem que é um processo longo, convencer uma criança moçambicana a deixar-se pegar ao colo por um branco quando os menos escuros que ela viu na vida são mulatos bem queimadinhos do sol...
Ficámos então ver a minha xará de 2 anos e a dona L. a ir embora, debaixo dum sol gigante, já a pôr-se, enquanto a cabra gania e dava pinotes como eu nunca tinha visto....
PS: para quem não percebeu, ba é um beijo. E xará é toda e qualquer pessoa que tem o mesmo nome que nós.
Ba quentinhos e suadinhos para todos vocês aí no frio :)

3 comentários:

  1. Estou a descobrir em ti uma contadora de histórias de primeira apanha!!!!
    Muito lindo, sobrinha.
    Beijinhos do tsio.

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  2. VOCÊ é a menina JESUS do Xo-kué!!!!!!!!

    Está friozinho mas sabe bem...beijinhos e temos de skypar***

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  3. Velho sim, burro menos.
    Ainda bem que ja terminou esse martirio do inquérito, mas tudo (?) tem o seu lado bom. Ficaste a conhecer outros caminhos dessa terra e agorqa ja sabes como desenterrar um carro, ou não?
    A propósito da cabra oferecida, quando estive na Guiné Equatorial um dia estava no mato a comer uma tangerina e enterrei as sementes. O cozinheiro perguntou-me " Manuel para que é isso?" eu expliquei-lhe:Agora vai nascer uma tangerineirae depois há mais tangerinas. És maluco, disse ele, quando a arvore crescer ja ca não estás. Outros vão comer as tangerinas!!!
    Acho que os cabritos não vão aparecer.
    Beijos

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