17 de dezembro de 2010

Feliz Natal do XOKUÉEEEEEEEEEEEE

Não sou de escrever muitos comentários sobre o meu trabalho.

Podem pensar o contrário, mas acreditem..contenho-me. Muito.

Porque a blogosfera é um big brother e porque, embora gostasse de partilhar muitas histórias e, acima de tudo, fotos espectaculares de situações altamente caricatas, há uma pequena clausula no meu contrato que me impede de carregar no botão "publicar"..
Mas, abro esta pequena excepção apenas para publicar uma foto do convívio de natal que tivémos esta tarde no escritório do Projecto Tisuna Muzototo- Projecto Integrado de Controlo de Malária na região do Chókwè, porque não me parece que corrompa o meu contido espirito profissional (e porque foi o postal de natal enviado aos nossos colegas em Lisboa!):



VOTOS DE UM SANTO NATAL E UM 2011 LIVRE DE MALÁRIA!!!

DA EQUIPA DO PROJECTO TISUNA MUZOTOTO- CHÓKWÈ

A equipa não está completa mas quase.. Sim, não respeitamos de todo a questão do género. E sim, somos muitos! Em privado, poderei dar mais informações a quem desejar:)

E foi assim, no meio dum calor tropical exageradissimo, que estas belas alminhas, que se fartaram de trabalhar nos últimos meses, fizeram uma bela churrascada, acompanhada de xima da mamana R. e dumas belas laurentinas (claro, foi depois da hora de expediente!).

Só ficou a faltar o som duma boa passada, que por culpa dum processo complicado foi negado por parte do responsável..não sei se estão a ver :p) seguramente, houve algum problema de estado estacionário da aparelhagem..

Mas já ficou combinado para o próximo ano!
Sim, para o ano ainda cá estaremos nesta altura..ainda não tinha dito, né?
Ops, sorry..

Bom, em todo o caso......FELIZ NATAL DO XOKUÉEEEEEEEEEEEEE PARA TODOS VÓS!



13 de dezembro de 2010

Oh yeah!! Ferias!!!

E assim, de repentemente, sem me dar conta, parece que já vou seguir viagem para ai outra vez:))
É já daqui a 1 semana!!
Tou ready pra muito bacalhau, rabanadas e familia tresloucada ;) e matar saudades dos amigos, claro, que da ultima vez armei-me em ermita..

30 de novembro de 2010

OS PEQUENOS NADAS....BRILHANTES!!!

Desde que regressei, em Setembro a minha vida tem sido caótica. Por norma, trabalho 14 horas por dia, 7 dias por semana. O primeiro domingo que folguei, foi há 2 semanas, em que me refastelei com um dia de sol daqueeeeles no Bilene, acompanhado de bom peixe e boa companhia. Sim, eu sei. É um exagero de dedicação mas parece que se está a tornar oficialmente patológico: virei workaholic!
Mas esta semana tem sido especialmente abusiva.
É que estamos em pleno processo de revisão do programa da malária. Quando digo estamos, refiro-me a todos os que estão, de uma forma ou de outra, a trabalhar na área da prevenção e controlo da malária neste País. É um processo, longo e cansativo, que envolve o pessoal do ministério da saúde e os parceiros internacionais e, que ainda vai durar alguns meses. Têm sido longos dias de reuniões, de avaliação de actividades, documentos, indicadores, planos estratégicos e afins. Ufa, uma canseira só! Se tudo correr bem, chegaremos ao fim com sucesso.
Esta semana é especialmente ocupada porque temos uma visita de avaliação externa de todo este processo. Se quiserem detalhes, faxavor enviar email :))
Além disso, amanhã celebra-se o Dia Mundial de Luta contra o HIV/SIDA. E Chókwè, este ano, é a sede das comemorações nacionais. Já se vê a trabalheira... Vamos receber até a visita de sua excelência o PM! Não, não faço tenções de falar muito com o senhor. O aperto de mão da praxe, chega-me.

Então...hoje, depois de um longo dia de trabalho, que começou em Maputo a tentar organizar a visita da equipa de avaliação da revisão do programa da malária, e terminou em Chokwe, a tentar a organizar a visita do PM, ainda consegui ter aquele pequeno momento feminino, que toda a mulher com um pouco de princesa dentro aprecia, para ir experimentar vestidos de capulana que mandei fazer para o casamento da minha nena happy flower catalã..depois conto e envio fotos J Funky Wedding no Museu de Historia Natural de Maputo!! Oh yeah!!

Além disso, ao chegar a casa, ainda me meti na dura tarefa de tentar encontrar roupa para uma festa no próximo weekend, cujo dress code é “white with a splash of gold”..oh minha nossa! Mas este pessoal não sabe que eu vivo no mato! Onde é que estão os meus trajes de noite, que possam satisfazer tais requisitos?!?!
Agora...o momento alto do meu dia? Mesmo, mesmo? O minuto de silêncio a contemplar o negro silêncio do céu, na porta da minha barraca, em que PELA 1ª VEZ NA VIDA, vi um pirilampo a passear descontraidamente entre as espigas de milho da minha machamba (perdão, minha não, da D. L.) :)) Não podia crer naquele pequeno ponto de luz, brilhante como tudo, cheio de energia, em busa de... não sei quê (ok, confesso, não entendo nada de pirilampos!). A mãe natureza segue e não pára de me deslumbrar..

E assim recupero o fôlego para aguentar o resto da semana, porque me recordei...são os pequenos nadas que me fazem sentir que continuar a valer a pena cá estar..
Claro, também foi nice o telefonema da minha goducha a aconselhar a deitar fora o jantar por causa do pequeno detalhe dos bichos na massa :p) Estava uma delicia, mãe!!

14 de outubro de 2010

Velando por nós...

Era uma tarde de meio de Agosto, bem solarenga.

Lá fora, sentia-se no ar uma brisa marítima e ao mesmo tempo quente, presença constante dos fins de tarde tão típicos de uma vila plantada a poucos km do mar.

Mas as persianas do quarto estavam semi- cerradas. A pouca luz, deste fim de tarde alentejano, entrava tímida pelas pequenas ranhuras plásticas.. e criava um jogo de cores misterioso, que conferia a este quarto doloroso uma estranha aura...de paz.

Ele estava deitado de barriga para cima. Ela, aninhada de lado no seu corpo. O seu braço rodeava o abdómen distendido dele, como uma mãe a amparar um filho; a sua cabeça poisava carinhosamente no ombro dele, para não magoar; e o seu pé.. timidamente tocava o dele, como medo causar de um choque de temperatura.
A mão dele procurou a dela, em cima do abdómen.. e entrelaçaram-se os dedos. Ao de leve, para que ninguém acordasse com o barulho de tanto movimento. E a cabeça cansada dele tombou ligeiramente de lado, à procura do colo da dela. Ela respondeu, claro. “Hum..estou aqui”. E roçou a testa no queixo dele e todos os outros membros se apertaram em sinfonia, fazendo desaparecer o espaço livre que ainda existia entre os seus corpos.

Dormiam... era possível ouvir um pequeno, em infantil ronronar vindo de ambos. Um ronronar que estava sincronizado pelos anos passados a dormir juntos. Como se houvesse sempre alguém presente a orquestrar a suas respirações, não fosse um compasso mal dado causar uma paragem repentina num deles.

Nas suas faces, era possível perceber um misto de emoções...cansaço, acima de tudo. Mas também tranquilidade. Por saber que já se tinham despedido. Por já terem feito as pazes de uma vida e estarem no ponto em que um precisa e pede sem pudor e o outro dá e ajuda altruisticamente.

Naquele terno momento...senti o cheiro da idade.. da doença...da dor..da despedida...mas acima de tudo... senti o ternura do amor naqueles dois corpos dorminhocos, que sem emitirem uma palavra, se amavam como dois adolescentes...

3 de outubro de 2010

É o fim do mundo em cuecas-parte II...

Uma vez que este blog nunca aspirou a ser um fórum de discussão política, económica ou social (por definição minha aliás, desde o início, é apenas um simples registo da actividade esporádica do meu Tico & Teco, às voltas neste cérebro cansado), tinha decidido deixar-me de escrever sobre os acontecimentos históricos deste país...
Mas dada a última notícia desta semana, na sequência da greve do 1º de setembro...não resisto!
A nova forma de prevenção de distúrbios sociais imposta pelo governo: todos os cidadãos com cartões de telefone pré-pagos, estão obrigados a registarem-se nas companhias telefónicas, apresentando os dados pessoais do B.I., até 15 novembro!!!
Com a desculpa de assim se evitarem raptos e afins, mas não sem antes terem sublinhado que assim também já não será possível "convocar apredajamentos na Ponta Vermelha" de forma anónima...
Gaffe política?! Violação dos direitos dos cidadãos?! Big Brother Africano?!
Fica ao critério de cada um...eu, de meu lado... penso que vivo demasiado longe da cidade para ter tempo de me registar devidamente dentro do prazo :p)

8 de setembro de 2010

É O FIM DO MUNDO EM CUECAS!!!

Moçambique é uma república livre do colono desde 1975, com um governo democraticamente eleito e em paz relativa desde o fim de guerra civil, nos anos 90.
Tal como a grande maioria dos países africanos, sofre de todos os grandes males de um país que foi invadido à força por um potência (?) europeia e é governado por uma elite maioritária e descaradamente corrupta, consequência de séculos de opressão escravizadora exercida pela dita potência que culminaram num total desgoverno social, financeiro e humano.
Já foi um dos países mais pobres do mundo e, apesar de ter subido no ranking mundial, continua a ser um dos alvos prioritários das agências de ajuda humanitária, por fazer parte da lista de países que continua apologista da cultura do pedir e a quem poucas contrapartidas são exigidas em troca, alimentando este ciclo infindável do dá e recebe sem que isso garanta a melhoria das condições de vida da população moçambicana.

Nos últimos dias vimos, mais uma vez, o teatro montado num país cujo povo não se sabe demonstrar e cujo governo não sabe governar, culminando numa demonstração de actos violentos, perigosos para a própria população que temeu sair à rua, e uma reacção governamental que apenas culpabilizou os “destabilizadores”, relativizando o significado de uma clara manifestação de desagrado político a nível nacional.

Não foi com surpresa que me vi envolvida na História deste país.. afinal, vivo cá, estou sujeita a este tipo de experiências.
Mas foi com total pasmo que assisti à reviravolta desta manifestação.

Pois o povo moçambicano mostrou o seu (justificado) desagrado quanto à subida geral de preços: pão, água, energia. De forma errada, dirão alguns. De forma desajustada, penso eu.

O governo reagiu de um modo verdadeiramente inteligente e em concordância com o típico modo de lidar com crises populares, tão frequente em África!! Primeiro, controlou os “malfeitores” com tiros de metralhadora e raides pela cidade, depois proibiu a maior companhia telefónica de facilitar o serviço de envio de sms (!!!!!), a fim de evitar que a multidão se voltasse a reunir e a organizar novas manifestações e depois - aqui isso, é de abrir a boca com pasmo - baixou os preços dos produtos que foram a razão inicial da revolta, não para o preço original mas para um preço ainda mais baixo que o anterior (provando assim que o aumento de preços tinha sido totalmente descabido).

É ou não o fim do mundo em cuecas??!!?!

Eu não sou totalmente intolerante sobre o aumento de impostos e de preços em geral; apesar de me custar a engolir a exploração que a maioria dos governos exerce sobre nós, compreendo que uma sociedade só funciona na base da troca de riquezas: os mais ricos que sustentem os mais pobres e que paguem de acordo com isso.

Mas isto foi o descalabro total! Num país em que a maioria da população vive no limiar da pobreza (sim, um aumento de pão de 3 para 4 meticais pode parecer ridículo e insignificante para a maioria de nós, mas tentem sustentar uma família de 6 ou 7 pessoas com o salário mínimo moçambicano e logo conversamos..) e uma pequeníssima percentagem da população detém a maioria da riqueza e o Presidente é (ao que sei) um dos homens, senão, O homem, mais rico do país, dá voltas à tripa assistir estes aumentos e reduções de preços dos bens essenciais.

É, ou não, o fim do mundo em cuecas?!?!?

13 de abril de 2010

Here I go again

Família e amigos do peito,

a preta está a caminho, mais uma vez!

A partir de dia 20 Abril estarei aí novamente. Por quanto tempo...é desconhecido!

Desta vez para, espero eu, rever muitos de vós e disfrutar das maravilhas da Europa. E conhecer maningue sobrinhos que nasceram entretanto!

Vou fazer um trato com o São Pedro e levar um pouco deste maravilhoso sol africano para vós ;)

Ok, e vou tentar enfiar uns kg de camarão tigre na mala :p)

See you soon!!

8 de abril de 2010

O preço do conforto..

Era uma vez uma alentejana de Lisboa, com manias que tem ligações a África, que decidiu vir viver para Moçambique para trabalhar num projecto de ajuda humanitária e combater a malária.

Cá chegada, achou que teve sorte ao instalar-se numa cabana melhorada, situada num condomínio africano, pertencente a uma congregação de irmãs.
Numa cidade onde as casas, com condições minimamente aceitáveis, estavam já com preços super inflacionados pela presença dos patos bravos da construção civil (que aceitam alugar vivendas ao preço de luxuosos apartamentos na baixa lisboeta), a alentejanita teve a inocência de acreditar que ter por senhoria as irmãs religiosas, lhe daria o privilégio de pagar módicas quantias pelo conforto tão desejado num cantinho que se quer sempre fresco, limpo, seguro e com um belo jardim a alegrar as vistas.

Estava assim estabelecido o equilíbrio entre o frustrante salário de uma expatriada em África, o desconforto do trabalho nómada no mato e o constante desejo de chegar a um lar cuidado e confortável, por um preço razoável e aceitável.

WRONG!!!!!!
Eis que:
A empresa de electricidade de Moçambique decide, e obriga os seus clientes, sem qualquer pré aviso, usar um sistema de pagamento da energia que, à primeira vista parece futurista e inovador, mas na verdade não passa duma roubalheira ao nível dos impostos cobrados aos cidadãos europeus: em Chokwe, todos os habitantes viram os seus contadores de luz serem substituídos por um sistema de carregamento que anula a emissão de facturas e atrasos nos pagamentos- o Credelec.

Passo a explicar. Temos uma máquina à porta de casa que contabiliza o consumo de energia. Quando está a zeros, vamos comprar “crédito” a uma loja. Dão-nos um código, que inserimos na máquina em casa e o valor correspondente ao montante pago, aparece em KW que se vão consumindo à medida que usamos a energia. Parece justo certo? Acaba-se com aquela história das leituras e estimativas e os pagamentos por excesso. Cada um passa a pagar exactamente, e só, aquilo que consome. WRONG!!! Porque ao comprar o dito crédito verifica-se que os KW a que dão direito variam a cada aquisição. Além disso, acrescem-lhe uma taxa de rádio (que eu não tenho..) e de lixo (o meu lixo é queimado na rua pela minha D. L...), cujo valor varia de cada vez que compro o dito “crédito” da energia. Além disso, o consumo de KW também varia de uma forma inexplicável ao longo das diferentes horas do dia e da semana, sem qualquer padrão possível de entender...
Quando consultei um técnico da dita empresa de electricidade, só me pude rir da resposta: “Ah pois é...vais ter dificuldades. Este sistema é o maior roubo legal que a empresa articulou. Não tens mais como fugir. Só podes pagar, se queres fresco na tua casa. E prepara-te para passar a pagar mais sem saber porquê... não vale nem reclamar, só vais zangar à toa!”
Contra factos, não há argumentos...
E pronto...o cantinho fresco, limpo, seguro e com belo jardim, agora custa-me os olhos da cara. Graças ao credelec, aos exageros dos roubos em comida da D. L, aos guardas inevitavelmente necessários numa terra de bandidos e a um jardim que bebe mais água que um caminhante perdido no Sahara..
Estou chateada, pois claro que estou!

17 de fevereiro de 2010

I STILL MISS YOU...

Desde há 3 ou 4 dias que está um calor abrasador, típico do verão africano ainda que este já esteja a terminar..
Hoje não foi excepção.

Acordei com o cântico matinal habitual dos pássaros que vivem na gigantesca acácia do meu jardim e com os raios de sol poderosos a atravessar as cortinas multicores feitas de capaluna, que cobrem as minhas janelas.
Acordei com aquela sensação egoísta, por ser uma privilegiada que dorme no conforto do AC e, ao contrário do resto da população, consegue descansar noites inteiras a fio sem escorrer um único fio de suor.

Saí para trabalhar, eram as 6 da matina. Mal abri a porta casa, fui bafejada pela calorosa realidade de África: céu de um azul indescritível, plantas e árvores do jardim um verde clorofila brilhante, solo castanho e cheio de rachas onde não cai a água, e...o bafo de calor e humidade que me fizeram agradecer os privilégios de expatriada e suor em bica nos 5 metros que percorro de casa ao carro.

Passei 7 horas em trabalho pelo mato, visitando unidades sanitárias e dando formação a técnicos de saúde. Debaixo dum sol e calor abrasador, claro. Escorrendo suor em cada minuto, sentindo o cheiro a dejectos de morcego dentro de cada sala a penetrar e ferir os meus pulmões, invejando as mulheres e crianças que esperavam pacientemente a nossa saída para poderem ser atendidas, em cima duma esteira...dormitando, dando de mamar, entrançando os cabelos à irmã do lado..
De volta ao escritório, invadida por um cansaço resultante do calor excessivo, vi pela janela do meu gabinete, o dia a mudar..o céu a escurecer, a humidade a aumentar, a energia a ser cortada de 5 em 5 minutos e as primeiras gotas a começarem a cair.

Finalizei a jornada de trabalho muito cedo (para o que é habitual) e decidi regressar a casa.
A chuva intensifica-se. Da porta do escritório ao carro, fico encharcada da cabeça aos pés. Salto poças feita ginasta olímpica. Dou boleia a um colega e no caminho para sua casa, a chuva já aumentou tanto que deixamos de ver a estrada. Deixo-o no destino e rumo ao meu quintal. Sou obrigada a abrir as janelas porque o vidro está demasiado embaciado. Sinto gotas do tamanho de bolas de ping pong a cair no meu braço. Ultrapasso 2 homens numa bicicleta a cair de podre. Encurvados sobre si mesmos. A escorrer água. Descalço, um deles pedala como se as suas vidas dependessem da rapidez a que os pedais giram. Quando passo por eles, olham-me com inveja. Sinto-me novamente uma privilegiada. Egoísta. Olho para a frente, um velho com um saco plástico na cabeça acena a pedir boleia. Finjo que ignoro e continuo caminho. Entro na minha rua e quase atropelo 2 perus em fuga, procurado abrigo do dilúvio, pois esta chuva não descrimina humanos dos animais. Reparo então na cara triste das crianças sentadas a beira das poças de chuva, que ficaram impedidas de brincar pela chuva. Reparo na jovem adolescente, parada na berma, a olhar pró infinito como se esperasse ser salva de toda a chuva que lhe encharca as roupas até terem aspecto de pesarem kilos. Mais à frente, outro jovem brinca com uma sombrinha, rodopiando-a tal Frank Sinatra. Só lhe faltar cantar à chuva.
Entro no meu quintal. É o caos total. Não há estrada. Só água. As casas são ilhas solitárias e o chão ameaça deixar-me enterrada no matope. O J. acena um adeus da sua porta, com um sorriso daqueeeeeles. Tem a sua família sentada na chão da casa, a beber refrescos e rodeados de brinquedos.

Passaram-se menos de 10 minutos desde que deixei o escritório. E a chuva não pára de cair, cada vez com mais força. Saio do carro, que agora está lavadinho e procuro o meu caminho para chegar a casa. Fico com os chinelos enterrados no matope ao segundo passo. Amaldiçoo-me por não ter antecipado aquela armadilha e sigo descalça. A chuva já me deixou toda molhada neste momento, pelo que páro um segundo para apreciar o meu jardim. Prevejo que vai morrer afogado neste exagero de água.

Entro em casa e antes de fechar a porta, vislumbro o céu. O azul matinal transformou-se num cinzento escuro, feio, triste. A temperatura desceu repentinamente e parece-me agora que as plantas gritam por socorro. Penso “onde estarão abrigados os pássaros”. Sou invadida pela sensação de pequenez humana, à mercê dos desígnios da mãe natureza.

Deixo-me ficar na soleira da porta, pés descalços sujos de matope, a olhar para este espectáculo. Penso que esta carga de água é abusiva e não vai ajudar ninguém.
Que é apenas um castigo.
Uma revolta.
Uma zanga do planeta.
É isso. O dia está zangado.

E então lembro-me. Amanhã será dia 18... O dia também estava zangado há 2 anos atrás...choveu raios e coriscos e ficámos rodeados dum semblante escuro e carregado de tristeza.. tal como agora.

Entro em casa e assisto calmamente ao evoluir desta tempestade tropical. Agora vêm os trovões e relâmpagos, que nunca deixam de me surpreender. O alarme do carro dispara a cada romboada do céu. A chuva intensifica-se cada vez mais e eu imagino que o meu tecto não vai suportar tanta água raivosa.
É isso.
O ceú responde com trovões de raiva pela tristeza trazida pela chuva... e escorre uma gota de água pelo meu rosto, com saudades dos dias de céu azul que passei na tua companhia..

13 de janeiro de 2010

I have a question, please

E só assim de repente, tenho uma pergunta:
Em mais alguma parte do mundo é feriado nacional quando um novo (ou velho) presidente de república toma posse?!!?
Bom, eu não me vou queixar muito porque amanhã estou de folga.
Para poder assistir de perto às festividades da tomada de posse de Sua Excelência, pela TV....
Já referi que esse aparelho é inexistente na minha casa, certo? Mas seguro que devo encontrar um nas dunas do Bilene ;)

FELIZ VINTE DEZ!!!!

E aí está!
O primeiro post de 2010! Que em terras a sul do Equador se diz “vinte dez” e não “dois mil e dez”...tretas de sul africanos orgulhosos por serem os anfitriões do Mundial 2010, pois então.

Reparo agora no post “glicodocearoçaratristezatipícadeumaexpatriadaqueviveláaaaalonge” que deixei no dia de natal...ó minha nossa! Como é que o A. me deixou fazer isto?! Onde é que eu tinha a cabeça para ter escrito tais coisas?! Parecia uma Da Vinci...valha-me....être louvé, na gíria de ano novo do Chokwe :p)
Ai...esperem...já me lembro...estava embebida de um espírito natalício regado de 3 garrafas de Adega de Borba de 98, obrigatórias para esquecer a dor de ter ficado sem ceia de Natal.. pois foi. Olha..acontece.

Bom, o que interessa é que começamos o ano tal Fénix renascida!
O vinte dez trouxe um novo ânimo ao trabalho e à dinâmica do escritório de Chókwè, com maningue pessoas novas, cheias de vontade de escravadarem. E eu, vou na corrente..

Em muito contribui para este espírito positivo os dias de descanso pós Natal:

- relax total na verdejante Swazi, a mimar o corpo e a alma com sonecas dormidas à sombra de palmeiras gigantes, embalada pelo chinfrim dos macacos locais e a apreciar o turismo rural nesse reinado de palmo e meio

- bronze dos grandes, apanhados no último dia do ano, 200 km abaixo do Durbão (sim, Durban, para os que gostam de ser precisos). Na verdade, acho que fomos até ao pólo sul e quase me lembro de ter acenado um pinguim em marcha láaaa ao longe J
O sol sul africano não brinca, pessoal. Creio que foi a primeira vez que esta vossa preta apanhou um escaldão tão grande em tão poucas horas! De tal forma, que ainda estou a pelar e, claro está, a obrigar-me a um regime forçadíssimo de exposição ao astro rei aos finais de semana, para contrariar esta maldita muda de pele que fez das minhas costas um mapa mundi. Um trabalho difícil, como podem imaginar. Tenho consciência que isto pode provocar algumas invejas nos mais inconformados com o gélido inverno europeu mas convenhamos, cada qual luta pelo que quer e eu.. fugi desse frio! Agora tenho que aguentar com os comentários tipo “tens um padrão esquisito desenhado nas tuas costas..não tens uma doença de pele qualquer? É contagiosa?” Again, cada qual dorme na cama que faz :p)
Percorremos km e km e km de auto-estradas na costa Este de África do Sul. São em tudo iguais às nossas. Até no abusado valor das portagens. De referir o pequeno pormenor que entrei nestas estradas sem um único rand na carteira e os cartões multibanco foram deixando de funcionar à medida que avançávamos nas portagens. Resultado: ao último pedido de pagamento, fui forçada a “subornar” a portageira (esta profissão existe?!) com os poucos dólares que tinha, para que me deixasse prosseguir pois não tinha como pagar...valha-me o desenrascanço tuga e a total falta de vergonha na cara..
O destino foi a casa de um amigo perto de Port Edward (sim, quase a chegar à Antártida), na província de KwaZulu-Natal. Para os mais curiosos, o nome deriva do facto do meu conterrâneo Vasco da Gama ter aterrado no Durbão no dia de Natal de 1497, um ano antes de ter chegado à India (uma informação exclusiva da Betopédia. Para mais informações, visitar o seu blog asuldomundo.wordpress). Com um pouquinho mais de esforço e de melhorias na gestão do reino durante os Descobrimentos, os boers sul africanos seriam hoje...tugas!
Esta província é ainda o berço do povo Zulu e está repleta de marcos históricos e tradições por todo o lado e, como não podia deixar de ser, de referências ao Shaka Zulu, grande rei e senhor que lutou contra a invasão dos boers, defendendo o seu território. Ou atacou e dizimou dezenas deles.. A opinião varia conforme a pessoa que conta a história... Enfim, uma canseira, para absorver tanta informação.
Para mim (ou nós, o grupo de amigos que decidiu fazer este interjipe africano) o que contou e ficará na memória foi ter passado o último dia do ano enterrada na escaldante areia da costa sul africana, a brincar nos vagalhões do Indico, que em muito se assemelham ao Atlântico a reclamar contra as falésias do Porto Covo nas noites de tempestade de inverno e nos relembraram o respeito que o mar merece e exige.
É de facto diferente. Imaginar-vos todos aí encasacados, a curtir o quentinho da lareira e nós...de bikini e a beber cervejinhas geladas na praia!

- festa na praia na passagem de ano. Todas as passagens de ano em que estive na praia (em, pelo menos, algum momento da noite) foram das mais geladas e desconfortantes da minha vida. Daquelas que nos fazem afirmar os típicos clichés “do frio é psicológico”. E repetimos tanto, que até acreditamos.
Pois, a entrada no vinte dez passou-se com um leve vestido de algodão sobre o corpo, de pés descalços enterrados na areia e bebida gelada a escorrer na garganta. Sem um único queixume excepto o “mas porque é que este gajos aqui ao lado decidiram fazer uma fogueira se está um calor do caraças?!” E esse calor, não tinha nada de psicológico. Até se agradeceram as pequeninas gotas de chuva que caíram, a anunciar o vinte dez.
De resto, foi tranquilo. Comigo a melhorar as técnicas de bilhar ;)

- regresso ao calor do lar xokuense, onde a subida dos termómetros bateu nos 40 graus e desencadeou chuvas daaaaaaaaqueeeeelllllasss. Para não esquecermos que isto é África, óbvio.

Pois, tal Fénix renascida...vou voar cheia de garra, ou caso contrário, tou a pedir facas como prenda atrasada de Natal que podem enviar pelo meu pai, e já agora escolham o pulso que devo começar a cortar primeiro porque este projecto mata-me de stress logo assim no início do ano...

Just kidding. Escolho a via da luta armada contra as sedes em Lisboa e seguro que nada vá a passar (ah, sim..passo a avisar, a minha nova coordenadora é espanhola pelo que ahora hablo una língua muy esquisita, lo portunhol, porque senon ninguém me intiende!)

Besitos e hasta breve nenos :)