17 de fevereiro de 2010

I STILL MISS YOU...

Desde há 3 ou 4 dias que está um calor abrasador, típico do verão africano ainda que este já esteja a terminar..
Hoje não foi excepção.

Acordei com o cântico matinal habitual dos pássaros que vivem na gigantesca acácia do meu jardim e com os raios de sol poderosos a atravessar as cortinas multicores feitas de capaluna, que cobrem as minhas janelas.
Acordei com aquela sensação egoísta, por ser uma privilegiada que dorme no conforto do AC e, ao contrário do resto da população, consegue descansar noites inteiras a fio sem escorrer um único fio de suor.

Saí para trabalhar, eram as 6 da matina. Mal abri a porta casa, fui bafejada pela calorosa realidade de África: céu de um azul indescritível, plantas e árvores do jardim um verde clorofila brilhante, solo castanho e cheio de rachas onde não cai a água, e...o bafo de calor e humidade que me fizeram agradecer os privilégios de expatriada e suor em bica nos 5 metros que percorro de casa ao carro.

Passei 7 horas em trabalho pelo mato, visitando unidades sanitárias e dando formação a técnicos de saúde. Debaixo dum sol e calor abrasador, claro. Escorrendo suor em cada minuto, sentindo o cheiro a dejectos de morcego dentro de cada sala a penetrar e ferir os meus pulmões, invejando as mulheres e crianças que esperavam pacientemente a nossa saída para poderem ser atendidas, em cima duma esteira...dormitando, dando de mamar, entrançando os cabelos à irmã do lado..
De volta ao escritório, invadida por um cansaço resultante do calor excessivo, vi pela janela do meu gabinete, o dia a mudar..o céu a escurecer, a humidade a aumentar, a energia a ser cortada de 5 em 5 minutos e as primeiras gotas a começarem a cair.

Finalizei a jornada de trabalho muito cedo (para o que é habitual) e decidi regressar a casa.
A chuva intensifica-se. Da porta do escritório ao carro, fico encharcada da cabeça aos pés. Salto poças feita ginasta olímpica. Dou boleia a um colega e no caminho para sua casa, a chuva já aumentou tanto que deixamos de ver a estrada. Deixo-o no destino e rumo ao meu quintal. Sou obrigada a abrir as janelas porque o vidro está demasiado embaciado. Sinto gotas do tamanho de bolas de ping pong a cair no meu braço. Ultrapasso 2 homens numa bicicleta a cair de podre. Encurvados sobre si mesmos. A escorrer água. Descalço, um deles pedala como se as suas vidas dependessem da rapidez a que os pedais giram. Quando passo por eles, olham-me com inveja. Sinto-me novamente uma privilegiada. Egoísta. Olho para a frente, um velho com um saco plástico na cabeça acena a pedir boleia. Finjo que ignoro e continuo caminho. Entro na minha rua e quase atropelo 2 perus em fuga, procurado abrigo do dilúvio, pois esta chuva não descrimina humanos dos animais. Reparo então na cara triste das crianças sentadas a beira das poças de chuva, que ficaram impedidas de brincar pela chuva. Reparo na jovem adolescente, parada na berma, a olhar pró infinito como se esperasse ser salva de toda a chuva que lhe encharca as roupas até terem aspecto de pesarem kilos. Mais à frente, outro jovem brinca com uma sombrinha, rodopiando-a tal Frank Sinatra. Só lhe faltar cantar à chuva.
Entro no meu quintal. É o caos total. Não há estrada. Só água. As casas são ilhas solitárias e o chão ameaça deixar-me enterrada no matope. O J. acena um adeus da sua porta, com um sorriso daqueeeeeles. Tem a sua família sentada na chão da casa, a beber refrescos e rodeados de brinquedos.

Passaram-se menos de 10 minutos desde que deixei o escritório. E a chuva não pára de cair, cada vez com mais força. Saio do carro, que agora está lavadinho e procuro o meu caminho para chegar a casa. Fico com os chinelos enterrados no matope ao segundo passo. Amaldiçoo-me por não ter antecipado aquela armadilha e sigo descalça. A chuva já me deixou toda molhada neste momento, pelo que páro um segundo para apreciar o meu jardim. Prevejo que vai morrer afogado neste exagero de água.

Entro em casa e antes de fechar a porta, vislumbro o céu. O azul matinal transformou-se num cinzento escuro, feio, triste. A temperatura desceu repentinamente e parece-me agora que as plantas gritam por socorro. Penso “onde estarão abrigados os pássaros”. Sou invadida pela sensação de pequenez humana, à mercê dos desígnios da mãe natureza.

Deixo-me ficar na soleira da porta, pés descalços sujos de matope, a olhar para este espectáculo. Penso que esta carga de água é abusiva e não vai ajudar ninguém.
Que é apenas um castigo.
Uma revolta.
Uma zanga do planeta.
É isso. O dia está zangado.

E então lembro-me. Amanhã será dia 18... O dia também estava zangado há 2 anos atrás...choveu raios e coriscos e ficámos rodeados dum semblante escuro e carregado de tristeza.. tal como agora.

Entro em casa e assisto calmamente ao evoluir desta tempestade tropical. Agora vêm os trovões e relâmpagos, que nunca deixam de me surpreender. O alarme do carro dispara a cada romboada do céu. A chuva intensifica-se cada vez mais e eu imagino que o meu tecto não vai suportar tanta água raivosa.
É isso.
O ceú responde com trovões de raiva pela tristeza trazida pela chuva... e escorre uma gota de água pelo meu rosto, com saudades dos dias de céu azul que passei na tua companhia..