25 de dezembro de 2009

O 1º Natal em Natal em Africa!

Passa da meia noite...em Moçambique , pelo menos :p)

Comuniquei com os EUA, Itália, Holanda, Marrocos e Japão, entre outros.

Falei directamente com Castelo Branco, o Mangue Seco, Azeitão, Aveiro, Lisboa, Porto e Santo André, entre outros...

Já derramei muitas, silenciosas e escondidas lágrimas...

Natal não é Natal, quando não se está rodeado das pessoas que se ama, ainda que se sinta o carinho, saudade e afecto longínquos....ainda assim, tenho o coração cheio.

O Natal em Chokwe é diferente:

- tarde no orfanato de Chiaquelane...sem palavras. Para aqueles que já o conhecem um pouco pelas minhas descrições, podem imaginar a alegria das crianças por receberem uns balões e umas bolachas extra...e a minha sensação ao pensar na diferença do natal vivido pelas crianças da minha vida, na Europa...conitnuo sem encontrar razões para tamanha discrepância...e sem entender porque nos damos ao trabalho de comprar um montão de prendas quando o que realmente interessa é o esforço pessoal que pomos em cada entrega...a cada pessoa em individual e não no valor que gastamos e nos custou a ganhar...







-o jantar de Natal..esse, foi o mais inédito da minha vida! Na tentativa de trazer um pouco das tradições familiares para a nossa ceia, eu e o A. decidimos grelhar bacalhau e comer com umas belas batatas a murro esta noite...plano furado!!!!

A Pulgui (sim, G, a tua cadela!), num momento de aflição em que tentávamos controlar as brasas do nosso grelhado, roubou-nos o delicioso peixe comprado no inicio desta semana em Maputo e, sem que dessemos conta...ficámos sem jantar!!! Inédito! Nem queríamos acreditar! Sobrou apenas uma pequena posta, que, tal como a minha avó teria feito, e graças aos conselhos online da minha mãe, ainda salvaram a ceia de Natal!!! Uma pequeníssima, tipo micro posta de bacalhau, com muita cebola, alho, ovo e batata fizeram as delicias destes 2 expatriados que passaram a noite a receber telefonemas intercontinentais e a tentar esquecer a distância que nos separa daquilo que é o " nosso natal"... felizmente, somos pessoas civilizadas e de mente aberta...e o natal, esse, ficou minimamente salvo...







Desta noite, apenas vamos recordar ( graças às várias garrafas de vinho bebidas ;p) um episódio deveras engraçacado com uma cadela matreira que nos obrigou a reformular a ceia de natal e uma noite de muita, mas mesmo muita saudade de todos vós... e um calor abrasador que nos obriga a ir à praia amanha...ou não fosse este o 1º natal em africa:)

20 de dezembro de 2009

"Dá bá à xará, Chica!"

São 20.30 de domingo.
Está um calor abrasador, típico das recordações de qualquer retornado.
O ceú, esse está negro, carregado de nuvens assustadoramente grandes e que voam pelo céu que nem doidas.
Vejo uma réstia da pouca lua que existe a crescer, tapada de nuvens mas que parece iluminada por um holofote.
Lá, bem ao fundo, é a claridade total. Trovoada, relâmpagos como eu nunca tinha visto na vida. Daqueles que iluminam tudo e todos. Que nos fazem pensar duas vezes se teremos um amanhã.
Já conheço este filme de outras noites. Este calor e humidade estonteantes, este céu iluminado de branco quando está noite....é sinónimo de chuva da grossa durante a noite. Amanhã de manhã, teremos maningue matope por todo o lado e o pessoal feliz porque caiu água para regar as machambas. E o calor estará lá na mesma para nos recordar que isto é África.
Tenho muita mas mesmo muita pena de todas vós aí no frio. Disseram-me esta tarde que há zonas em Portugal com -13 graus..Chipa!!! Bota frio nisso! Estamos oficialmente com mais de 40 graus de diferença. Vinde para cá minha gente, é o que vos digo.
Esta tarde chegou a ultima equipa do inquérito CAP, de volta após uma semana láaaaaaaaaaaa, em Nhanguenha, onde não há luz nem água canalizada. WC então, nem se fala..
Foi o fim oficial desta etapa do CAP. Não significa que entrei de férias mas sim que......I´M FREE!!!!De gente complicada e frustações diárias. E já já, daqui a nada, estarei de férias :)
Curiosamente, o que me alegrou hoje não foi ter chegado ao fim daquela ingloriosa tarefa do CAP... mas sim os 10 minutos ao final da tarde, que passei com a minha dona L.
Passo a contar: é Natal. Quis, tal como no ano passado, oferecer-lhe algo que o marido não bebesse ou as filhas não vestissem. Algo tipo comida para 1 mês, que foi a prenda do ano passado. Mas não quis repetir a graça e vai daí encomendei um cabrito aos colegas que tinham ido láaaa, para Nanguenha, onde uma cabra de 6 ou 7 meses me custou a módica quantia de 500 meticais...(qq coisa como um pouco mais de 10 euros). O que se segue é a parte da nossa conversa, mantida na berma da estrada, onde a chamei com a desculpa de querer pagar o salário, na presença do V. e da Chica, a neta mais nova de dona L. filha duma filha com menos de 20 anos e que já tem outra filha, as duas crianças sabe-se lá vindas de que pais (e motivo pelo qual eu me transformei na fornecedora mensal de preservativos para aquela familia..):
"Minha L., trouxe também um presente de Natal para si. Está lá atrás na caixa do carro"
O V. abriu a lona e já a guinchar, uma cabra malhada, maningue selvagem a querer saltar.
"Ah! Oh! Minha nossa! Não pode ser!Meu deus!"
Beijos e abraços ao V. e a mim.
" Dona L., mas esta não é para comer agora na quadra. É para criar, que ainda é pequena. E é fêmea, quando chegar à altura certa, tratamos de arranjar macho e assim pode ter a sua criação de cabritos, tá bem?"
" Oh, sim!! Com certeza, esta há-de dar parto a maningue cabritos! Vê-se que é boa!"
Troca de olhares entre mim e o V. , desconfiados se a cabra há-de sobreviver até ao final deste mês..
"Sim dona L. mas temos que ter certeza que a trata bem, tem que dar água e por a pastar. E tem que amarrar bem de noite para não roubarem como fizeram com cabritos que tinha antes"
" Sim dotozinha, hei-de deixar na minha mãe. Lá tem curral e ela fica segura"
Nisto, a cabra dava pinotes que nem uma montanhesa enquanto a dona.L a tentava controlar, sob o olhar atento da Chica, a neta de 2 anos, que sentiu tamanho curiosidade pela cabra, que ia levando com ela em cima.
"Dona L., leve essa corda. Vamos desamarrar as patas de trás e pode puxar a corda, para a levar até casa"
"Oh! A dotozinha é mesmo minha mãe. Como fazer para agradecer?!"
"Nada dona L. Só não a coma já porque queremos que dê cabritos que vocês podem comer mais tarde. Olha como a Chica gostou dela! Parece que tem mais uma amiga para brincar"
" Pronto minha mãe. Vou então, dar água ao animal que tá com cara de sede. Shiii, e viajou maningue hoje! Coitada"
"Tá bom dona L. Resto de boas férias e bom natal"
" Chiiiiica! Dá bá à xará e diz obrigado"
"Bigada xará. Chica dá bá"
Eu baixei-me e recebi o beijo mais repenicado desta criança fofa, fofa, que nunca tocou noutro branco que não fosse eu. E pessoal..acreditem que é um processo longo, convencer uma criança moçambicana a deixar-se pegar ao colo por um branco quando os menos escuros que ela viu na vida são mulatos bem queimadinhos do sol...
Ficámos então ver a minha xará de 2 anos e a dona L. a ir embora, debaixo dum sol gigante, já a pôr-se, enquanto a cabra gania e dava pinotes como eu nunca tinha visto....
PS: para quem não percebeu, ba é um beijo. E xará é toda e qualquer pessoa que tem o mesmo nome que nós.
Ba quentinhos e suadinhos para todos vocês aí no frio :)

14 de dezembro de 2009

" O interesse em subir a montanha está no caminho e não na chegada ao cume"..Says who?!?!?!

As pálpebras abriram-se.
Os neurónios acordaram.
O cansaço foi vencido pela força de vontade brutal que apareceu sorrateiramente vinda do nada.
A ameaça de sucumbir ao desespero e frustação foi finalmente vencida.
E por fim, os pelos da pele espivatam-se com alegria pela contagem decrescente:)
Falta menos de uma semana para chegar ao fim deste desconcertante inquérito megalómano que me fez sentir na pele a escravidão laboral :)

Não tinha explicado o que é este inquérito? Este maratona hiper cansativa de trabalho que me impuseram nas últimas semanas? Opah! Sorry. Onde é que eu tinha a cabeça?

Pois passo a explicar: uma das actividades que deveria ter sido realizada logo no início deste projecto em que eu entrei de cabeça e sem qualquer pré aviso das consequências físicas e morais que trariam à minha pessoa, tem o acrónimo CAP: Conhecimentos, Atitude e Práticas. Neste caso, sobre malária. É um instrumento usado para ficar a conhecer os conhecimentos, atitudes e práticas da população em relação à malária. Dahhh.

Pois para isto, formámos equipas de inquiridoras e técnicos de saúde para partirem para as aldeias e, casa a casa, irem fazer inquéritos às mulheres sobre os seus conhecim...bla bla bla e prátic...bla bla bla e atitude...bla bla bla de malária. Não contentes com esta árdua tarefa, achámos que seria interessante aproveitar a oportunidade para colher amostras de sangue às mulheres e crianças para os mais varidos fins.

Resultado: várias equipas a trabalhar simultaneamente em várias aldeias, a fazer os ditos inquéritos e colheitas.

O timing..perfeito. Coincidiu com a saída da minha xará e ainda não chegada da substituta. Pelo que quem ficou a orientar esta epopeia?Sim. Aqui a happy flower, rainha do caos e amante da perfeição nas horas vagas..já tão a ver o desarranjo emocional em que fiquei..

Macuachane, Manhiça, Sifo, Acordos de Lusaka, Chibabel, Nhimbayinwe, Mavodze, Conhane, Combomune, Matidez, Tomanine....a lista de aldeias pelas quais já passámos é interminável..

Muito calor, ou chuva e vento, refeições péssimas, horas de estrada e buracos, frustações, desalentos, arrogâncias, curiosidade, colaboração ou admiração..alguns dos sentimentos vividos ou partilhados nestas ultimas semanas.

Não tem sido fácil. Também não me tem feito mal. Nos intervalos...a luz dum pôr do sol, a cor viva do mato, a alegria das crianças a brincar, o sorriso das mães a dar de mamar enquanto são entrevistadas e um ou outro animal selvagem a brindar o dia. Pequenas alegrias que fazem esquecer a dureza da coisa.

Mas estou cansada. Mais psicologicamente que fisicamente. O corpo recuperará, por certo. A mente...essa divaga pelas férias ansiadas ou pelo futuro que se quer diferente. Menos escravizador, de preferência :)

Não consigo ter a noção que é quase Natal. Onde está o rodopio das prendas e a confusão da minha família?! Não consigo acreditar que em 1 mês o meu paizão há-de chegar!!! Não consigo imaginar que em 2 semanas estarei nas cataratas de Vitória (!) ou que passarei o ano mergulhada no calor do Indico...

É um mix de cansaço, frustação, saudade, desânimo e ânsia...e acima de tudo: alegria! Porque só faltam 5 dias para terminar!

E eu vou sobreviver minha gente. Ó se vou! Tem sido muito bom, grata pela experiência profissional e ganhos pessoais mas, cá para mim..enough is enough! Tou pronta para outra e não do mesmo. Cá nos veremos na próxima saga do meu capítulo Escrava Isaura mas de momento quero é FÈRIAS!!!!

Beijos cheios de saudade para todos..