A correr, atormentada, obrigada, indecisa e deixando assuntos pendentes por cá.
A G. regressou à sua Barça porque tinha que ser, porque valores familiares mais altos falaram..diria mesmo, gritaram pela sua presença lá. Fez o que lhe foi pedido e porque tinha que ser. Ninguém tem dúvidas e todos faríamos o memso.
Mas a G. deixou aqui muitas marcas e com a sua partida iniciou-se o encerrar de um ciclo de vida, cujo fim já se avizinhava, pelas mais variadas razões..
Hoje, eu, a R. e a C. fomos dar conta dos restos materiais que a G. cá deixou, incumbidas da tarefa de atribuir roupa a uns, livros a outros, filmes a quem queira e por ai fora.
Nesse momento, é que eu de facto me apercebi que a G. se foi....ver aquela vela que foi acesa pela primeira vez durante um jantar especifíco, o monopólio comprado para entreter a nossa família, o biquini à anos 60 oferecida pela sua mãe e que ela teimava em não vestir, a T-shirt que comprámos igual mas em ocasiões diferentes e teimavámos em vestir nos mesmo dias, as calças pretas que ela sempre queixava porque lhe aqueciam por demais, o cesto que andámos a namorar durante horas numa visita a Nielspruit, a T-shirt com o símbolo da república que ganhámos numa reunião a que fomos e passámos toda ela a conversar por escrito sobre dores e tormentos, a girafa que cujo par eu tenho e muito regateámos durante um longo brunch numa das esplanadas preferidas em Maputo, os filmes que vimos em maratonas nos longos finais de semana chuvosos, os noites na minha casa regadas a copos de gin na companhia da C. e que tinham o dom de nos fazer vaguear pela mais variadas conversas ....
Esta tarefa ingrata de separar e doar o que ela deixou para trás (nena, que levaste contigo ao final?!) fez-me viajar por todos aqueles momentos em partilhámos a vida, o dia a dia, as longas reuniões de trabalho, os amigos, a família, as dores, as alegrias, as inseguranças, as desilusões, os sonhos e as ambições...esta tarefa lembrou-me a ingratidão da vida e, mais uma vez, a dor de perder a proximidade daqueles que amo e preenchem a minha vida...
A G, é aquela personagem tipicamente happy flower, que nos conquista vagarosamente ao longo do tempo e então nos encanta... e nos faz sentir abençoados por ter o privilégio de a conhecer e fazer parte da sua caótica vida.
A G. não foi seguramente a primeira pessoa que me fez sentir menos sozinha cá..mas foi sem dúvida a pessoa que masi me ensinou a respeitar os limites da amizade e a individualidade de cada ser humano. Com ela, aprendi muito, tanto a nível pessoal como profissional. Acima de tudo, aprendi mais sobre o ser humano e sobre a complexidade de cada personalidade...
A última vez que a vi, antes da sua partida, foi as 6 e meia da manhã, sentada na escada da rua da nossa residencial preferida em Maputo, à espera que eu chegasse para retirar o meu carro que estava a bloquear o seu, e ela com pressa para ir apanhar um barco para uma ilha paradisíaca...trocámos poucas mas tocantes palavras que talvez só nós conhecessémos o significado:
" Nena, tu aqui? Buenos dias..es louca de estar acordada a esta hora"
" Al final, vou para Inhaca guapa. "
"Finally! Que bom. Enjoy it carino..mereces"
" Vou tentar. Até à próxima Blackie"
Abraçámo-nos e por uma fracção de segundo eu pensei " e se não a vir mais? e se esta for a última vez?" E reforcei o abraço e deixei-lhe um beijo na testa agarrado ao seu abraço..
... até à próxima G. Te fueste pero.. estamos juntas. Vou sentir tremenda saudade das comunicações a horas menos próprias e da alegria de te ter sempre presente na minha vida. Um dia, volverás..acredito que sim.
Foi o fim de um ciclo..as happy flower se foram ... respiro fundo, fecho os olhos e preparo-me para o próximo, sabendo que de cada vez, o meu espírito ficou mais rico.. e deixo na mente a imagem das happy flowers a curtir o sol e a alegria que este país nos proporciona:
